O recente anúncio da inclusão de seis novos países ao grupo BRICS - Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos - levanta preocupações significativas sobre a direção que este bloco está tomando. Enquanto o BRICS se apresenta como um grupo de nações em desenvolvimento buscando fortalecer sua influência global, não podemos ignorar os questionamentos sobre a natureza autoritária de alguns de seus membros e candidatos.
A decisão, anunciada pelo Presidente Sul-Africano Cyril Ramaphosa, vem em um momento em que a democracia global enfrenta desafios sem precedentes. O grupo, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, já tem em seu núcleo nações que enfrentam críticas por práticas antidemocráticas, repressão à liberdade de imprensa e violações dos direitos humanos.
A inclusão do Irã e da Arábia Saudita, por exemplo, é particularmente alarmante. Ambos os países têm históricos notórios de violações dos direitos humanos, repressão a dissidentes e ausência de liberdades fundamentais. A Arábia Saudita, uma monarquia absolutista, tem sido criticada por sua repressão brutal a vozes dissidentes, enquanto o Irã, sob um regime teocrático, continua a reprimir a liberdade de expressão e a perseguir minorias.
A expansão do BRICS, em vez de fortalecer a cooperação entre nações em desenvolvimento, pode ser vista como uma tentativa de consolidar uma frente de nações com inclinações autoritárias. Em um momento em que o mundo precisa de mais democracia, transparência e respeito aos direitos humanos, a direção tomada pelo BRICS é preocupante.
Além das implicações políticas, há também preocupações econômicas. A inclusão da Arábia Saudita e do Irã, ambos membros influentes da OPEC+, pode levar a uma concentração ainda maior de poder no setor de energia, com implicações potencialmente desestabilizadoras para a economia global.
A consolidação de regimes autoritários sob o manto de cooperação econômica pode ter consequências duradouras para a ordem mundial e os valores democráticos. Certamente, esta é a estratégia desenhada pela China.
As iniciativas estratégicas da China
Nos últimos anos, a China tem se posicionado de forma assertiva no cenário global, lançando uma série de iniciativas que visam consolidar sua influência e redefinir as dinâmicas de poder. Estas iniciativas, embora revestidas de retórica de cooperação e desenvolvimento, têm nuances que merecem uma análise mais aprofundada.
Iniciativa de Segurança Global (ISG)
A China, ao lançar a Iniciativa de Segurança Global, busca construir uma nova arquitetura de segurança e diplomacia. Esta iniciativa visa rivalizar com o sistema liderado pelos EUA, que é repleto de tratados, alianças e instituições multilaterais. A proposta da ISG é clara: cultivar uma rede de relações internacionais que se alinhe mais estreitamente com os princípios da política externa chinesa. Um dos pilares centrais dessa iniciativa é o conceito de "não interferência em assuntos internos", que, embora pareça benigno à primeira vista, tem implicações profundas. Ao enfatizar a não interferência, a China busca deslegitimar críticas externas, especialmente aquelas relacionadas a questões de direitos humanos.
Até o momento, o ISG permanece vago, mas Pequim planeja dar forma progressiva à iniciativa. O processo é considerado pode ser mais importante que os resultados finais; mesmo sem diretrizes políticas concretas, a participação dos países em esforços diplomáticos indeterminados pode fomentar uma teia de relações internacionais harmoniosas para os chineses.
Pequim empregará o ISG como um elo sofisticado, interligando instituições multilaterais, como a Organização de Cooperação de Xangai, o mecanismo de cooperação BRICS, a Conferência sobre Medidas de Interação e Fortalecimento de Confiança na Ásia, bem como os mecanismos "China+Ásia Central" e Lancang-Mekong. Além disso, o ISG será destacado em fóruns multilaterais de renome patrocinados pela China, como o Fórum de Paz e Segurança China-África, o Fórum de Segurança do Médio Oriente, o Fórum Xiangshan de Pequim e o Fórum Global de Cooperação em Segurança Pública.
Iniciativa Global de Civilização (IGC)
A IGC é uma extensão sofisticada da diplomacia cultural da China. Em vez de se concentrar apenas em infraestrutura e comércio, como muitas de suas outras iniciativas, a IGC busca ganhar aceitação global para os princípios chineses. A iniciativa promove um tipo de relativismo de valores, sugerindo que todas as civilizações têm méritos e que nenhuma cultura ou sistema político é superior a outro. Embora a promoção da compreensão intercultural seja louvável, a maneira como a IGC é estruturada sugere um objetivo subjacente: proteger a China de críticas externas ao confundir regimes modernos com cultura tradicional.
Iniciativa Global de Desenvolvimento (IGD)
A IGD é talvez a mais ambiciosa das três iniciativas. Lançada como resposta aos desafios trazidos pela pandemia, a IGD é apresentada como uma solução para os "choques severos" enfrentados pelo mundo. No entanto, por trás dessa retórica, há uma tentativa clara de reposicionar a China como líder global em desenvolvimento. A IGD, ao contrário de outras iniciativas, enfatiza menos a infraestrutura física e mais os projetos "verdes" ou sustentáveis. No entanto, o Ocidente permanece cauteloso, percebendo a iniciativa como uma tentativa de desarmar a "ordem internacional baseada em regras".
A Nova Ordem Mundial
A evolução da geopolítica global, evidenciada pela expansão do BRICS e pelas iniciativas ambiciosas da China, é um fenômeno que não pode ser ignorado. Estamos testemunhando a emergência de novos centros de poder que buscam redefinir a ordem mundial. No entanto, é essencial questionar a natureza e os valores dessa nova ordem.
A China, com sua crescente influência, tem a oportunidade de moldar essa nova ordem. No entanto, a questão que se coloca é: que tipo de ordem mundial queremos? Uma ordem que prioriza o desenvolvimento econômico em detrimento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais?